Estou bêbada e gostaria de invadir o mundo
me liquidificar

Chove, chove...

me dissolve!

Chove

Que nada é agora!

Te vi em sonho negro

Negro eu te vi

Nêgo!!!

Delícia que se faz em espera

Negra

Eu te vi

Deslumbrante

negra Luz que me invade

antes de eu evadir


Fátima

ASSUNTO ASSENTO



(ilustração de Glaucus)



Ah, quanto eu queria uma cadeira confortável
Não apenas macia, mas também ereta,
fofa e do meu agrado
Uma cadeira boa, convidativa e estável
Onde ali eu pudesse redigir meus textos
Gravar as idéias para uma nova composição
Sentar e pensar, divagar
Oh, quanto eu queria ...
E ainda mais se ela tivesse sido comprada
às minhas próprias custas,
Por um valor justo e não de leiloeiro.


ESSO

Um brinde à poesia (no dia nacional da poesia)




O poeta se desmancha nas asas das palavras
Que dançam
Que se avolumam
E quase se sustentam

A poesia, essa fêmea
Se impõe
No balanço de seus vocábulos

O poeta se avexa
Se lambuza nos motes
Se acerca de fantasias e desejos
Se deslumbra, apaixonado

A poesia, nua
Exposta em suas curvas
Entranha a alma do poeta
Faz-se!
Na beleza de quem goza.

Fátima

Mar

Encontrei você arrastado pelo som do mar
inebriada pelo ar noturno de verão
vulnerável

Te vi negro, olhos apertados, lábios grossos
sorriso espalhado
cuidadoso
Sentado em noites que acabavam

Te descobri aos poucos
na sombra das curvas
no silêncio da madrugada

percebi você noite adentro
entrei

A noite sempre me revela belezas
de amanhecer


Fátima

Flor de Pedra


Sou rasteira
nasci entre as pedras deste lugar
entre as dunas macias e peladas
com o cheiro do mar

Sou filha desse azul iluminado
adornado pelas águas salgadas
que batem com fervor nos paredões da noite
expurgando os efeitos medonhos do sol do dia

Não necessito de muito para me revelar
a simplicidade do chão áspero a meu redor finca as minhas raízes
a água que escorre com o orvalho da noite me mata a sede
os galhos poeirentos do jardim me protegem dos ventos fortes
o ar dunoso, salgado, me faz as ramas firmes

Tenho uma aparência singela
amarela, sou comum entre tantas que crescem entre os arbustos
mas estou apenas em lugares especiais
vivo nos orifícios, nos pequenos lugares com brecha de sol
Sou arredondada e pequena,
para alguns linda, para outros sem graça, inofensiva
por isso me perpetuo feito erva daninha

Flora de fim de inverno

Tem dia que a minha mente aflora
flora
sopra em todas as direções
desfazendo as folhas que atapetam o chão
corre macia pela aridez avermelhada do cerrado
e mesmo quando contorna o que conhece
sai entre os caminhos não explorados
enquanto o teu toque sutil desliza em meus cabelos

meu namorado erradia
mar
o meu amor em meus dedos
escorrega pelo vento
quer alcançá-lo com a brisa que me chega de lá

são pétalas macias em tuas mãos?
são pérolas teus alvos dentes a me sorrir?

são sonhos de fins de inverno
que sopram frio por cá

É que na bolha de vento me enfio
vôo entre os ipês rosas e amarelos
preenchendo o vazio dessa cidade branca
com o amor que me deixas


Fátima
Se uma violeta murcha
em contato com o sol forte
Ela é apenas isso
uma violeta que amoleceu
diante do calor do sol

Se uma rosa despetala-se
sob a ação do vento
ela é apenas pétalas
levadas pelo vento

Se o vento insiste em bater a janela
e nos chamar atenção
Ele é apenas ar que sopra e murmura
a nos chamar atenção

Se o nosso amor é vivo
ele é nada disso
é tudo isso,
e além disso,
- rotina

Fátima