O velho violão está lá, encostado à mala, exposto aos arredores do vento que sopra freneticamente metendo-se entre as cordas de metais. É ele que entra brecha adentro e desata um som quase mudo (uuuuuuuuuuuuuuuu), saculejando o corpo de madeira já desbotado e seco. As janelas arquejam em repetidas batidas (tactactac), percussivos sons que acompanham o ato. O velho violão continua lá parado, retesado ao lado da mala. Está se acostumando àquela mala, ao canto da casa, à agudeza daquele vento. Espera um toque, uma carícia mais leve em suas cordas rijas, mas o vento é abrasivo e toca-o com aspereza. O velho violão espera, assim como a mala vazia. O vento insiste, entra desatinado, arrebatador pela vias abertas. Entra e sai sem pedir licença, derruba a mala. Afinal já é velho conhecido dos cantos da casa, já sabe como se fazer ouvir e por isso toca tudo exigindo reverência. O mar o traz, a casa o recebe, já faz parte daquele velho ambiente vespertino. Mas o velho violão, não! Nem a mala! Ela não estava lá, antes naquele lugar. São visitantes! Por isso o vento toca, bate na mala, desfigura o som do velho violão, desafina-o sem respeito, sacode seus duros trastes. O velho violão se entrega e espera pelo fim daquele drama. À noite, a brisa salobra do mar invadiria o quarto. O seu cheiro despertaria o seu som mais belo. Ele a espera, espera sempre por seu toque úmido, suave, escorregadio. Quanto a mala, será cheia e seguirá seu destino.
Fátima